Stela do Patrocínio

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Na (finada ou fugitiva) banca de livros a 1 real em frente à estação Carioca – substituída agora por um carro de polícia na calçada –, encontrei o Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Já ouvira falar de Stela do Patrocínio. Ouvira.

Então, diante da muito vantajosa relação custo-benefício, aproveitei a oportunidade de adquirir o exemplar.

A organização e a apresentação são de Viviane Mosé, que, na última, evoca Foucault, Artaud e Nietzsche para dimensionar a importância de trazer à luz os poemas de Stela – que, para quem não sabe, passou quase toda a vida internada num Centro Psiquiátrico.

O Reino é aberto com o seguinte trecho de A História da Loucura:

“A percepção que o homem ocidental tem de seu
tempo e de seu espaço deixa aparecer uma
estrutura de recusa, a partir da qual se denuncia
uma fala como não sendo linguagem, um gesto
como não sendo obra, uma figura como não tendo
direito a um lugar na história.”

Em seguida, na apresentação, Viviane ratifica o valor de resgate da fala da poeta, “ler e ouvir Stela é integrá-la no discurso que um dia a excluiu.” Fala esta que, ao final do livro, adquire forma de entrevista, na seção “Stela por Stela”:

.
.
Mas você gosta dessa vida?
Gosto, gosto de ficar pastando à vontade
Ficar só pastando

E você não tem vontade de fazer outra coisa?
Não, eu não tenho vontade de fazer outra coisa
A não ser ficar pastando
Pastar pastar pastar ficar pastando à vontade
O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas
A lei é dura mas é lei
Dura lex sed lex no cabelo só gumex
.
.
Para finalizar, selecionei para vocês três poemas do livro:

:

Eu não queria me formar
Não queria nascer
Não queria tomar forma humana
Carne humana e matéria humana
Não queria saber de viver
Não queria saber da vida

Eu não tive querer
nem vontade pra essas coisas
E até hoje eu não tenho querer
nem vontade pra essas coisas

:

Se eu pegar a família toda de cabeça pra baixo
E perna pra cima
Meter tudo dentro da lata do lixo e fazer um aborto
Será que acontece alguma coisa comigo?
Vão me fazer alguma coisa?

Se eu pegar durante a noite novamente a família
toda de cabeça pra baixo
E perna pra cima
Jogar lá de dentro pra fora
Será que ainda vai continuar acontecendo
alguma coisa comigo?

:

Eu já falei em excesso em acesso muito e demais
Declarei expliquei esclareci tudo
Falei tudo que tinha que falar
Não tenho mais assunto mais conversa fiada
Já falei tudo
Não tenho mais voz pra cantar também
Porque eu já cantei tudo que tinha que cantar
Eu cresci engordei tô forte
Tô mais forte que um casal
Que a família que o exército que o mundo que a casa
Sou mais velha do que todos da família

A poeta e filósofa Viviane Mosé abriu a Flap 2008, além de participar da mesa Geração Espontânea. Leia mais poemas de Stela do Patrocínio na Confraria do Vento. O Reino dos bichos e dos animais é o meu nome foi editado pela Azougue, em 2001.

6 Respostas

  1. Diana,

    Sou apaixonado por Stela do Patrocínio. Conheci o ‘Reino dos Bichos e dos Animais é o Meu Mome’ em 2006. A encenação do livro realizada pela atriz Raquel Rocha, com dramturgia de Viviane Mosé, também é linda.

    Beijos, Ramones.

  2. realmente sensacional!

  3. aliás. toda essa história da stela me lembra um texto que li sobre o processo criativo do bob wilson, ramon. sente um trecho:

    Foi através da influência de Cristopher Knowles que o tratamento arquitetônico de texto, utilizado por Wilson, começou a ser estimulado. Wilson tomou conhecimento do trabalho de Knowles através de George Klauber, artista gráfico, professor do Instituto Pratt. Klauber havia escutado uma gravação da poesia de Knowles e decidiu passá-la a Wilson, que ficou imediatamente fascinado com o que ouviu:

    Eu não o conhecia, mas fiquei intrigado com a fita. Fiquei ainda mais maravilhado quando o conheci e percebi o que ele fazia com a linguagem. Ele usava palavras quaisquer, do dia-a-dia, e as destruía. Elas tornavam-se como que moléculas, mudando sem parar, quebrando-se em pedaços o tempo todo, palavras multifacetadas, não uma linguagem morta, mas como uma rocha se desintegrando. Ele estava sempre redefinindo códigos.

    Knowles era então considerado uma criança autista e frequentava uma escola especial ao norte de Nova Iorque.

    (…)

    Wilson estava interessado exatamente em desenvolver em Knowles o que seus professores na escola haviam tentado reprimir: “Eles estavam tentando corrigi-lo ao invés de estimulá-lo.” Wilson notou que havia uma lógica intrínseca nos textos de Knowles, que as palavras e sons que ele utilizava eram organizados, matematicamente, de acordo com categorias geométricas e numéricas: “Sua distribuição de sons é algo que pode ser aprendido com o tempo. Há 2 Cs e então há 4 Cs e então há 8 Cs, e depois 12 Cs, por exemplo. É uma linguagem. Uma maneira de falar, de se comunicar.”

  4. Quero adquirir o livro:O reino dos bichos e dos animais é o meu nome(Stela do Patrocinio).
    Como proceder?

  5. cara eveline, sugiro entrar no site da azougue (http://www.azougue.com.br/onde_comprar/?distribuidor=33), e procurar pelo distribuidor na sua cidade. também já verifiquei que há livrarias.com vendendo o livro na rede. boa sorte.

  6. Olá a todos! Sou fã da Viviane Mosé, por vários motivos…pelos poemas, por Nietzsche, pela dedicação à “transvaloração dos valores”, e por Stela do Patrocínio. Pena que eu não encontro o livro aqui em Fortaleza, e a maioria das livrarias na internet não dispõe do exemplar.
    Um abraço a todos, e Viva Stela, a mais lúcida e centrada pessoa que já conheci.
    “Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas

    Fazer cabeça, pensar em alguma coisa

    Ser útil, inteligente, ser raciocínio

    Não tinha onde tirar nada disso

    Eu era espaço vazio puro”

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